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Mariana Belmont

SP abre parques em meio à Mata Atlântica para visitação

ECOA

23/01/2020 04h00

A imensidão da Mata Atlântica é algo para se contemplar. É lindo, e a maior e mais significativa parte desse bioma fica dentro da cidade de São Paulo. Assim que entendi a Mata Atlântica como parte do meu cotidiano, que estava no quintal da minha casa, no caminho para a escola e nos finais de semana, comecei a respeitar essa imensidão biológica dentro do meu território.

Dia desses, eu estava à caminho do Embura, bairro bem próximo do meu no extremo sul da cidade de São Paulo, com um amigo e eu contava pra ele meus finais de semana. A Parati parava no portão de casa, eu entrava, meu padrinho só fazia um aceno para o Seu Lima e, dali, a gente seguia para as maiores aventuras do final de semana. Acampamento, muita diversão nas trilhas, nas cachoeiras e na montagem de tudo para os dias bons que viriam. Seu Lima era pai de grandes amigos, nosso guia e mentor em muitas descobertas pelas matas de Parelheiros. Cresci junto com seus filhos, os grandes amigos Lucas e Annibal Lima, amizades que a floresta me deu. 

Essa lembrança gostosa da infância e da adolescência me conecta com a beleza que é ser adulta neste momento. O momento em que São Paulo ganha cinco novos parques (eles já existiam, mas foram abertos para a visitação). São cinco parques dentro das periferias, prontos para receber as pessoas e ser referência de conservação nos territórios. É emocionante estar presente.

Foram anos de muitas construções, reuniões, um vai e vem absurdo. Vivemos um momento em que mais uma gestão não prioriza o meio ambiente, em um país que nos últimos anos não deu lugar para as gestões de unidades de conservação, que não priorizou a conservação e preservação dos recursos naturais para a sobrevivência das pessoas e biodiversidade. O Brasil elegeu há apenas um ano um governo irresponsável, que construiu tempos de desmontes, Amazônia queimando, não demarcações de terras indígenas, morte de quilombolas e indígenas, mortes de ativistas, falta de recursos, água marrom nas torneiras das cidades, pessoas morrendo em desastres ambientais, falta de gestão adequada nas unidades de conservação e uma lista sem fim de desgraças que nos fazem perder o ar, água, território, cultura, biodiversidade e pessoas.

Dentro de um cenário apocalíptico, receber a notícia de que, depois de mais de dez anos de muita luta e trabalho, a cidade de São Paulo abre para visitação cinco unidades de conservação, quatro na zona sul e uma na zona leste, é fazer a gente respirar em tempos tão escassos. São eles o Parque Natural Municipal Itaim, Parque Natural Municipal Bororé, Parque Natural Municipal Jaceguava, Parque Natural Municipal Varginha, na zona sul, e o Parque Natural Municipal Fazenda do Carmo, na zona leste. Para se ter uma ideia da dimensão dessas áreas, o tamanho do Parque Natural Municipal Itaim equivale a quase 500 campos de futebol, e as cinco unidades juntas somam mais de 2 mil hectares. São espaços com categoria idêntica ao das grandes reservas nacionais. 

Acompanhei de perto todo o processo da criação dos parques naturais municipais Itaim, Bororé, Jaceguava e Varginha. A criação destas Unidade de Conservação de proteção integral é fruto dos recursos referentes ao licenciamento e a compensação dos impactos ambientais e sociais causados pelas obras do trecho sul do Rodoanel Mário Covas na região sul. 

Aqui é importante lembrar o rasgo absurdo que o Rodoanel fez em Parelheiros, presenciar a floresta saindo e o concreto chegando foi dolorido. Registrar o papel da gestão na época do licenciamento é importante, liderado pelo então secretário municipal do verde e do meio ambiente, Eduardo Jorge, que durantes as negociações conseguiu, orientado pelos técnicos da pasta, dobrar o tamanho da área dos parques durante as negociações da compensação, ao contrário do que havia sido proposto anteriormente pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Coragem da gestão da época e dos diversos técnicos competentes. 

Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), Lei Federal n° 9.985/2000, as unidades de conservação de proteção integral, como estes parques, têm como objetivo básico a preservação da natureza, permitindo apenas o uso indireto dos seus recursos naturais. Estas unidades contribuem com a manutenção dos serviços ambientais prestados ao município, além de garantir a proteção dos recursos naturais e sua biodiversidade.

A legislação, o SNUC, determina que as unidades tenham planos de manejo e uma integração com a cidade que só agora está saindo do papel. A proposta é medir a utilização das unidades entre janeiro e fevereiro para criar um plano futuro de visitação. Os parques serão abertos pela primeira vez neste verão para a visitação do público, que vão poder utilizar as trilhas pela mata e conhecer cada pedaço das unidades e, quem sabe, cruzar com animais silvestres que moram pelas matas. Os parques ainda margeiam as Represas Billings e do Guarapiranga. 

Como disse o gestor da APA Capivari-Monos, Luccas Longo, "uma relação de dependência mútua em que as experiências, especialmente as emocionais, farão com que os limites desses cinco Parques Naturais Municipais e as duas Áreas de Proteção Ambiental (APAs), Capivari-Monos e a Bororé-Colônia, que os acolhem e se unem a eles, se ampliem nas pessoas".

As unidade de conservação no extremo sul são um refúgios de biodiversidade, produção de água e muitos serviços ecossistêmicos. Mas, junto a elas, temos também a cultura e produção rural com influência nordestina, alemã e  japonesa. Temos os rios, cachoeiras, paisagens rurais e outras áreas protegidas, como a Terra Indígena Guarani Tenondé-Porã com sua expressividade ancestral, os terreiros de religião de matriz africana, o Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleo Curucutu), a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Curucutu e a APA Parque e Fazenda do Carmo. Todos esses atores, espaços, unidades fazem a zona sul acontecer e significar para toda a cidade.

Esses parques são uma vitória para um território não lembrado pelo centro da cidade. Enquanto o burburinho girava por aqui e se brigava por muito recurso para uma área no centro da cidade, as periferias continuavam com áreas fechadas e sem uso, por falta de recurso e boa vontade. Enquanto se discutia novos parques, a comunidade se mobilizou e os técnicos não desistiram de encontrar a melhor maneira de abrir as unidades. Não sei dizer a quantidade de reuniões dos conselhos gestores da áreas de proteção em que brigamos pela abertura desses parques. 

Eu, todos os técnicos competentes da secretaria do verde e do meio ambiente, a comunidade local e todos que esperaram por esse momento, não temos dúvidas que teremos dias melhores. Dias para se reconhecer e se conectar ainda mais com o prazer de estar e viver dentro da Mata Atlântica, ter a opção de não pegar longas horas de transporte público, aos sábados e domingos, para passear em parques urbanos, poder frequentar e estar dentro do que conseguimos conquistar, dentro do nosso território.

Já disse isso uma vez, e repito que ter porções de florestas nas grandes cidades é algo cada vez mais raro e difícil no país. São Paulo ter a oportunidade de manter, mesmo que com muito sufoco, grande parte de um pedaço de Mata Atlântica é brilhante e necessário. Por essa razão seguimos trabalhando, nos mobilizando, frequentando conselhos, cobrando, preservando, falando, escrevendo e dizendo a importância das áreas preservadas para se respirar, comer, beber e viver. 

Veja as informações necessárias para visitar os parques naturais durante o projeto experimental:

Parque Natural Municipal Itaim
Data: 14/01/2020 – sempre às terças-feiras e finais de semana
Horário: 10h (inauguração) 8h às 17h
Local: R. Amaro Alves do Rosário, 2676 – Parelheiros, São Paulo – SP

Parque Natural Municipal Varginha
Data: a partir do dia 15/01/2020 – às quartas-feiras e finais de semana
Horário: 8h às 17h
Local: Av. Paulo Guilguer Reimberg, 6.200 – Chácara Santo Amaro – Grajaú, São Paulo – SP

Parque Natural Municipal Jaceguava
Data: a partir do dia 18/01/2020, às segundas-feiras e finais de semana
Horário: 8h as 17h
Local: Av. do Jaceguava, próximo ao nº 1100 – Bairro Jaceguava – Parelheiros, São Paulo – SP

Parque Natural Municipal Bororé
Data: a partir do dia 16/01/2020, às quintas-feiras e finais de semana
Horário: das 8h às 17h
Local: Estrada das Vieiras, s/n, Bororé, Distrito de Grajaú.

Parque Natural Municipal Fazenda do Carmo
Data: a partir do dia 04/02/2020 – às terças-feiras
Horário: 8h às 17h
Local: Estrada da Fazenda do Carmo, 350 – Itaquera, São Paulo – SP

Sobre a Autora

Nascida em Colônia, extremo sul da cidade de São Paulo, Mariana Belmont se define como uma esticadora de pontes. Atuando com mobilização e comunicação para políticas públicas, faz parte da Rede Jornalistas das Periferias, constrói o Ocupa Política e colabora com a Uneafro Brasil.

Sobre o Blog

Cidades que são florestas, florestas que são cidades, mudanças climáticas e conexões para viver melhor. Semanalmente, Mariana Belmont pensa sobre o que tudo isso tem a ver com a gente, e explica melhor essa história de meio ambiente sermos todas e todos nós juntos no mundo.