Ainda não vai dar para salvar o planeta semanalmente
É sempre importante dizer de onde a gente vem. Então, é necessário começar este texto explicando que eu nasci no bairro da Colônia, extremo sul da cidade de São Paulo. Um bairro bem na margem da cidade – território rural e urbano entre duas represas -, um extenso e necessário território indígena. Um lugar construído por índios, negros e nordestinos, em sua maioria mulheres.
Desde que recebi o convite para escrever nesta nova proposta do UOL, fiquei dias e meses apagando e reescrevendo, tentando conectar o que escreveria, porque o faria e sobre quem. Sobre qual cidade escreveria. Mas, antes de mais nada, quero agradecer o espaço, dizer que o convite foi feito com confiança, amor e respeito por quem eu sou, e que isso já me deixa gigante nesse mundo.
Fronteiras não são apenas linhas traçadas sobre territórios, como também limites dentro de nossas percepções, de histórias familiares, das dificuldades sociais e com nosso cotidiano. Os territórios são criados em nossa imaginação – desde a infância, por exemplo: quais são nossos limites de passos, com quem andamos pela cidade; a ideia que define até onde você vai ou não sozinha. A lista é infinita. No meu bairro, eu ia até a padaria sozinha, traçando sempre a linha tênue entre a calçada e a rua, com quem falar e aonde não ir.
Escrever sobre a cidade que gostaríamos de viver e pensar quais seriam suas formas e traçados é importante para registrar na história nosso sonho humano de lugar. Um ambiente mais acolhedor, antirracista, antimachista, menos sujo, menos desigual e com mais cara de casa: uma cidade visionária.
Nos próximos textos, estaremos dispostos a falar sobre uma série de temas necessários e urgentes e um deles é o racismo ambiental. Aqui já começo dizendo que esse termo hoje é um dos mais duros e difíceis temas para o ambientalismo brasileiro. Pouco se conhece sobre, pouco se fala sobre, sobretudo dentro da elite ambientalista brasileira, das grandes ONGs, mas o termo vem sendo cada vez mais contextualizado e debatido entre as povos tradicionais, com destaque para os quilombolas.
Foi o reverendo Benjamim Chavis, assistente de Martin Luther King Jr. e ativista do movimento pelos direitos civis nos EUA, que empregou o conceito "racismo ambiental". Criado no contexto do movimento negro norte-americano, o caminho que conecta essas histórias é uma encruzilhada que chega nas desigualdades e discriminações étnicas e raciais, na qual definem quem são os excluídos e quem são os privilegiados nas disputas pelos territórios, levando em conta o que e quem está em disputa dentro dos direitos socioambientais. E tudo isso pode ser sintetizado em um conceito: racismo ambiental.
Portanto, todas essas cidades que pensamos, por mais distantes que estejam, encontram-se ali, no final da estrada das desigualdades sociais. As favelas sem saneamento básico, as encostas que desmoronam e matam milhares de famílias, o mar de lama das mineradoras, a falta d'água nas torneiras das periferias da cidade, as crianças levadas pelas enchentes, os grandes empreendimentos construídos dentro de territórios historicamente demarcados como comunidades tradicionais e as vidas que são empurradas para as margens.
Mas qual é mesmo a cidade que precisamos viver? Qual é a ideia de território seguro para conseguirmos dormir e acordar? Precisamos planejar com urgência para resistir e viver? Existem muitas formas. Todas são políticas e todas são possíveis. Temos então mais um espaço para refletirmos sobre como não vamos conseguir salvar o mundo, mas, sim, sobre como podemos transformar minimamente realidades para sobrevivermos diante da barbárie, do absurdo diário do atual governo e da nossa história colonizada.
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