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Mariana Belmont

Agricultura na cidade de São Paulo conectando pontes e territórios

ECOA

16/01/2020 04h00

Não consigo me lembrar de quando não consumimos verduras e legumes orgânicos em casa. A gente sempre teve tudo no quintal, ou quase. Santo chuchu na cerca!

A minha memória afetiva com a comida é tão forte, em tantos momentos, mas acredito que quando fecho meus olhos, me lembro de chegar da escola na hora do almoço e sentar para comer com meu avô Américo. Ele cozinhava batata com brócolis, tudo colhido no quintal, passava um fiozin de azeite por cima e a gente comia sorrindo. Além de economizar demais nos gastos de mercado, afinal a gente era muito duro de grana, todo o processo de entender de onde vinha, olhar meu avô cuidando do quintal dele e até chegar o momento de comer era importante. A comida impõe momentos importante de lembranças e afeto com quem a gente gosta de sentar à mesa.

Eu, como vocês já sabem, nasci no bairro da Colônia Paulista, extremo sul da cidade de São Paulo, distrito de Parelheiros, zona rural e com a maior concentração de agricultores da cidade, é impressionante a gente pensar que a cidade conhecida pelos arranha-céus e a poluição tem um lugar com tanta Mata Atlântica, diversas unidades de conservação e mais de 400 agricultores familiares espalhados pelo território. Não há nenhuma dúvida que ter uma zona rural, que produz água preserva sua área verde, é um dos maiores privilégios para o município de São Paulo, mesmo estando tão perto do centro urbanizado.

A região de Parelheiros é o segundo maior em extensão da cidade de São Paulo, com 153 km² pouco povoados. É por lá que encontramos nossas inúmeras cachoeiras e rios de águas limpas, vindos do incríveis e resistentes Monos e Capivari, que atravessam as reservas remanescentes de Mata Atlântica e ofertando água para a população e para a irrigação do solo.

A diversidade e grande quantidade de pessoas produzindo em Parelheiros tem raízes históricas. A região sempre teve entre suas maiores vocações a produção agrícola. A diversidade de habitantes inclui índios guarani, imigrantes alemães, japoneses e migrantes brasileiros, e muito em especial os nordestinos. A região foi ocupada de modo efetivo com a implantação da Colônia Alemã em 1829, cuja ocupação foi justificada, dentre outros pontos, pela urgência de modernização das técnicas produtivas, tanto para a agricultura como para a indústria. Passaram a produzir batata, arroz, feijão, milho e mandioca, além de criarem animais para abate, comercializar madeira e carvão.

A presença inicial de alemães na região de Santo Amaro impulsionou a vinda de outros imigrantes que tem seu início em 1826 (segunda década do século XIX). A imigração japonesa transformou Parelheiros e Marsilac na maior área agrícola de São Paulo. Para se ter uma ideia da força da imigração japonesa, a Igreja Messiânica hoje tem seu maior templo fora do Japão localizado na região – o chamado Solo Sagrado, inaugurado em 1995. A onda de migrações internas para a região em meados de 1947, proveniente do interior do estado e de outros estados brasileiros, em especial do Nordeste, trouxe nova leva de pequenos e médios produtores, que se ocuparam principalmente no cultivo de legumes e hortaliças. E num movimento mais recente, os chamados neo rurais, que são pessoas que encaram o trabalho no campo como um espaço de oportunidades e estilo de vida e chegaram à região, num refluxo da cidade para o campo, aproximadamente de três décadas para cá.

Nos dias de hoje a região conta com produtores organizados, como na Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo (Cooperapas), que produz verduras e hortaliças, escoando esses alimentos por meio de feiras, eventos, venda direta e cestas. Apostando no alimento orgânico como transformador das relações entre as pessoas e o território. Reúne cerca de 35 agricultores cooperados. Criada em 2011, a cooperativa nasceu do desejo de alguns produtores familiares de não mais produzir alimentos com os métodos ditos "convencionais" – uso de agrotóxicos para reter pragas, uso de adubos ou fertilizantes químicos para acelerar o crescimento de hortaliças, e começar a utilizar produtos orgânicos para cuidar da produção.

Tem que ir a Parelheiros, conviver com a experiência de afeto e reconhecimento de quem acorda cedinho para que o alimento de toda cidade esteja na mesa com qualidade. Tem que ir, conhecer Vânia e Valéria, a Dona Maria do Carmo que fica ali no Vargem Grande, a Tomi e o Jai na Ilha do Bororé, seu Joaquim na Barragem. Percorrer as estradas do Marsilac sentindo o ar puro batendo no rosto, descer na estrada e encontrar seu Zé indo correndo para o sítio abrir a roça e te entregar uma couve fresquinha. E claro, se puder pare no restaurante da Marlene, que usa muitos dos produtos fornecidos pelos produtores da região, além do uso do cambuci e outros frutos nativos da Mata Atlântica. Bom, fora que a Marlene da um abraço incrível assim que você chega por lá, vale muito a pena.

As mais diversas formas de viver nas periferias de São Paulo, e a agricultura é uma das mais importantes para a zona sul e para um pedaço da zona leste. Você consegue comprar e conhecer os agricultores nas feiras orgânicas pela cidade, dando um pulo em alguma propriedade (só não esquece de avisar antes de chegar!) e buscando serviços de entrega de cestas, como o Balaio Orgânico, do Vinicius Ramos.

Viva a agricultura familiar da cidade de São Paulo! 

Sobre a Autora

Nascida em Colônia, extremo sul da cidade de São Paulo, Mariana Belmont se define como uma esticadora de pontes. Atuando com mobilização e comunicação para políticas públicas, faz parte da Rede Jornalistas das Periferias, constrói o Ocupa Política e colabora com a Uneafro Brasil.

Sobre o Blog

Cidades que são florestas, florestas que são cidades, mudanças climáticas e conexões para viver melhor. Semanalmente, Mariana Belmont pensa sobre o que tudo isso tem a ver com a gente, e explica melhor essa história de meio ambiente sermos todas e todos nós juntos no mundo.