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Mariana Belmont

Porque Nóis é ponte e atravessa qualquer rio

ECOA

17/10/2019 09h51

Pensar em todas as formas de viver e sobreviver nas periferias das cidades é fazer um exercício de entender que estamos, nós mesmos, criando processos, inteligências, tecnologias, espaços de lazer e cultura, que estamos cuidando dos nossos jardins e pensando as cidades que queremos e sonhamos. 

É um grande trabalho.

Antes de nós muitos vieram, criaram sambas, saraus, espaços de leitura, centros de cuidados, coletivos, rádios. E cuidaram para que os espaços de participação fossem ocupados por quem já está na caminhada há uns bons anos. 

Tenho refletido e falado sempre sobre o samba e o pagode de comunidade serem políticas públicas. Tony Marlon escreveu esses dias sobre os Racionais MC's serem a primeira política pública que conectou as periferias da zona sul com o restante da cidade de São Paulo. A lista é infinita, cada história é única e importante para ser contada por nós mesmo. E é cada história bonita. 

Seguimos perdendo, mas dá pra ver que estamos ganhando também.

Nunca foi fácil, nunca foi de boa viver nas periferias, a luta pela sobrevivência da cultura e da vida é constante, é permanente, não largamos a mão. E mais do que nunca precisamos nos cuidar, precisamos cuidar uns dos outros. Segurar nossas mãos, olhar de verdade um para o outro, estar disposto a respeitar e cuidar se precisar.

No último domingo perdemos o poeta e Cofundador do Sarau Cooperifa, Marcos Pezão.

Pezão junto com Rose Doria, Sérgio Vaz, Binho, Suzi Soares, Maria Vilani e tantos ensinaram e ensinam tanto pra gente todos os dias. Os saraus são aquele fôlego para a sobrevivência, são conexões com os nossos, nossos laços de amizades construídos ali. Nos ensinam a ouvir, respeitar e escrever nossa história em forma de poesia.

O Sarau, assim como outros espaços de conexão, felicidade, troca, rede de apoio e sorrisos, é a revolução e não vai acabar. Porque nóis é ponte e atravessa qualquer rio.

Obrigada Marcos Pezão, por tanto e por tudo.

NÓIS É…

por Marco Pezão

Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…
Conjugue esse verbo
Errada consonância
Na maneira de dizer…
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…
O nóis pra nós
É singular
O nóis pra nós
O plural é pessoal
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…
Felicidade
Individuo
Coletividade
Não acredite
Que a esperança
Apareça sem cultivar
Não odeie
Ame sua própria idade…
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…
Toque de lado
Receba na frente
Invada a área
E faça o gol…
É bola
Tá na malha da gaiola…
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…
Não se subestime
Mostre força
Encare o real
Deixe de lado o mal
Sem ser bom de todo
Senão o mundo te faz tolo
E ninguém é biscoito
Pra se deixar comer…
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…
Busque outra margem
Ser esperto não é vadiagem
Não importa cor, nem dor
Vermelho, Branco, Moreno, Amarelo, Mulato, Mameluco
Seja maluco numa boa
Assuma o leme
Atravesse a ponte…
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…
Boi, boi, boi, boi da Ponte Preta
Ensine essa criança
A não ter medo de careta…
Nóis é Ponte e atravessa qualquer rio…

Sobre a Autora

Nascida em Colônia, extremo sul da cidade de São Paulo, Mariana Belmont se define como uma esticadora de pontes. Atuando com mobilização e comunicação para políticas públicas, faz parte da Rede Jornalistas das Periferias, constrói o Ocupa Política e colabora com a Uneafro Brasil.

Sobre o Blog

Cidades que são florestas, florestas que são cidades, mudanças climáticas e conexões para viver melhor. Semanalmente, Mariana Belmont pensa sobre o que tudo isso tem a ver com a gente, e explica melhor essa história de meio ambiente sermos todas e todos nós juntos no mundo.