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Mariana Belmont

A democracia está exausta

ECOA

05/03/2020 04h00

Veja, eu ando perdida, é como se eu tivesse tomado o ônibus errado e dormido nele, me deixaram no ponto final de algum lugar que não sei bem onde fica e agora não consigo entender como volto para meu ponto de partida. A gente vive um dos piores momentos políticos do Brasil, não tenha dúvidas disso, quem era pobre tá mais pobre, quem era morto pelo Estado agora morre com toda a família, de fome, de tiro ou de tristeza.

Mas isso não quer dizer que desistimos, desistir jamais.

Esses dias tenho demorado mais para escrever, me falta inspiração e me sobra cansaço, estou exausta. É como se a gente tentasse apagar os incêndios, e o fogo estivesse aumentando, aumentando. Não tem fim. O corpo dói, a cabeça dói, não há bom dia que não venha acompanhado de uma pitada de desgraça. Exausta! E continuamos correndo, essa é nossa atual condição, mas o corpo não tá aguenta, ele fica doente e deprimente.

E quando me sinto cansada demais, vejo que meu corpo está adoecendo por tantas horas de luta e trabalho, que se misturam, eu lembro da minha amiga Áurea Carolina, que um dia me disse que sem corpo presente e saudável não há luta. Lembro sobre o que é importante, como a amiga irmã Bianca Santana sempre diz. Penso como somos importantes nesse processo, como me lembra Carô Evangelista, outra amada amiga. Obrigada, mulheres.

Democracia?

Na quarta-feira de cinzas, quase uma ressaca que não passa. O presidente Jair Bolsonaro teria disparado um vídeo convocando a população para um ato a favor dos militares e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal Nacional para o dia 15 de março. Aí você senta, olha de novo a notícia, lê o Twitter e pensa: COMO ASSIM? O presidente quer dar um golpe, acabar com as instituições e com a democracia?

Mas qual democracia, não é mesmo? Eu respeito, acompanho e participo de uma série de grupos, movimentos e conversas sobre democracia — articulações necessárias no tempo que vivemos.

Mas será que esse Estado Democrático de Direito chega nas periferias das cidades? Talvez em forma de voto, talvez durante as eleições, quando o bairro fica cheio de muitos cartazes, muitas visitas de candidatos que parecem mais celebridades intocáveis. E a lista de faltas de equipamentos públicos, assistência e atenção dos estados nos territórios é infinita, antes ou depois das eleições.

Eu só consigo sentir ódio de lembrar da falta de atendimento nas emergências dos prontos socorros das quebradas, de amigos morrendo, perdendo filhos e sendo tratados como produtos descartáveis nas filas. Meu corpo é tomado de ódio e cansaço, e o ódio não espera nenhum resultado eleitoral para bater na porta da minha família, dos meus vizinhos e as pessoas que eu conheço na quebrada.

Em 2018, a dor no corpo não melhorou, mas a gente foi dormir chorando com o resultado das eleições do dia 7 de outubro e acordou numa manhã de garoa com a notícia do assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê, um dos maiores sábios da cultura popular, que foi morto a facadas pelas costas por um seguidor de Jair Bolsonaro após uma discussão sobre política em um bar de Salvador, na Bahia. Mestre Moa é mais uma vítima dos inúmeros assassinatos políticos que acontecem todos os dias neste país, assim como a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, assassinados no centro do Rio no dia 14 de março de 2018.

Que democracia é essa que se naturaliza o assassinato de nove jovens e crianças no massacre de Paraisópolis? Que se normaliza, e vida que segue depois de uma vereadora eleita ser assassinada? E que todos os dias mães e pais choram por filhos inocentes sendo mortos pelo Estado? Que democracia é essa que tem um Estado que mata uma criança de 8 anos dentro da favela? E que tira povos e comunidades tradicionais de seus territórios para um desenvolvimento que causa mais desigualdade social?

A democracia real só será efetiva com a ampliação de direitos e conquistas de nosso povo PRETO, PERIFÉRICO e POBRE. A gente só conquistou parte do que sonhamos e nos territórios periféricos, quilombolas, indígenas, ribeirinhas o distante Estado Democrático de Direito segue inalcançável.

Nossos sonhos e a solução dos problemas não acabam apenas de dois em dois anos, nos períodos eleitorais. Então, presidente, seguimos reivindicando as ruas enquanto espaço de diálogo, debate e fazer político, mas nunca como território do ódio. Reivindicamos nossa liberdade de expressão, seja ela ideológica, política ou religiosa.

Seguimos por aqui, em grupo, em bando, na balbúrdia e se protegendo. Mas ao lado dos nossos mestres, ao lado dos nossos, resistindo e lutando com eles pelo básico e pela vida. E em tempos de ódio, retrocesso e falta de informação, a gente avalia o passado, o presente e continua combatendo o ódio e o retrocesso.

Sobre a Autora

Nascida em Colônia, extremo sul da cidade de São Paulo, Mariana Belmont se define como uma esticadora de pontes. Atuando com mobilização e comunicação para políticas públicas, faz parte da Rede Jornalistas das Periferias, constrói o Ocupa Política e colabora com a Uneafro Brasil.

Sobre o Blog

Cidades que são florestas, florestas que são cidades, mudanças climáticas e conexões para viver melhor. Semanalmente, Mariana Belmont pensa sobre o que tudo isso tem a ver com a gente, e explica melhor essa história de meio ambiente sermos todas e todos nós juntos no mundo.