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Mariana Belmont

Jovens transformando seus territórios e conectando pontes pelo país

ECOA

31/10/2019 04h00

Uma amiga me perguntou esses dias: "Mari, mas desde quando esse interesse por política? Eleições? Participação?".

Na hora respondi muito rápido, falei o que me veio à cabeça. Era muito nova e eu já acompanhava minha mãe ou meu padrinho até a escola que votavam, era sempre uma festa. Estava em casa, acordava bem cedo, meu padrinho com a melhor roupa, camisa passada para cumprir um "dever", escolher seus representantes pra os próximos quatro anos. A gente assistia junto ao horário eleitoral gratuito na TV, fazia comentário, ria bastante com o Enéas gritando e achava importante acompanhar. Eu era a companheira do meu padrinho para esse momento.

Fui crescendo bem interessada em toda essa coisa política, eu morava dentro de várias unidades de conservação, próximo de terra indígena, uma diversidade de pessoas e cultura, nasci ali. Tenho na memória os comícios, os artistas que subiram no palco com políticos como Paulo Maluf, Pitta e outros conhecidos. Dentro da minha cabeça essa mistura de artistas conhecidos e nosso imaginário que "político nenhum presta" não conectava. Nascer em bairro de periferia é conviver com a visita de algumas figuras conhecidas a cada dois anos, os mesmos sobrenomes de famílias que usam a política como atividade profissional, placas e zero conexão com a realidade do território. Difícil não colar na maioria da população, já marginalizada na dinâmica da cidade, que política realmente não se deve discutir.

Mas eu segui acompanhando. Na escola me envolvia nos projetos que conseguia participar, criando coletivos para fomentar a cultura do território e redescobrir a memória da região, depois participei da criação da Área de Proteção Ambiental Bororé-Colônia, com 18 anos, e já estava no conselho da Área de Proteção Capivari-Monos. Em casa a conversa era que nada disso mudaria, mas me davam força e algum dinheiro para condução da Colônia até a sede da Subprefeitura de Parelheiros, lugar onde eu passava boa parte dos meus dias em reuniões, conselhos, grupos, construções e conhecia geral. Eu estava realmente mudando algo, na minha cabeça pelo menos.

Ser jovem é dureza, e querer participar da vida ativa da política, seja ela institucional ou apenas existir no mundo é difícil. Ser jovem é ser um sujeito com valores, comportamentos, atuação política, interesses e necessidades bem diversos e bem abrangentes, ainda mais vivendo em um país onde a polícia brasileira, que constitui o braço armado do Estado, matou em cinco anos mais do que a polícia norte-americana em 30 anos de trabalho. Em média, cinco pessoas são assassinadas pela polícia diariamente no país. Contudo, o risco de ser vítima de homicídio doloso não se dá de modo aleatório e indiscriminado — existe um perfil explícito dos principais alvos: jovens (53%), negros (77%), do sexo masculino (93%). Isto fica evidente na declaração de que a "cada 23 minutos ocorre a morte de um jovem negro no Brasil" (Relatório Final da CPI no Senado, 2016, p. 32).

A gente respira fundo pra contar que nos últimos meses ganhamos uma rede potente e transformadora de jovens, que lideram projetos que vão muito além de reivindicar a representatividade e disputar espaços de participação. O que eles fazem é identificar barreiras que são invisíveis para uma parte da população, mas que marcam o cotidiano de amplas parcelas, e criar estratégias para, coletivamente, remover estas barreiras. Mais do que isso, suas iniciativas visam transformar a sociedade como um todo, engajando mais e mais pessoas em direção a objetivos comuns, que enfrentam a degradação socioambiental e a concentração dos processos decisórios.

Essa conexão foi possível por meio da Ashoka Brasil, que criou os Jovens Transformadores pela Democracia e juntou um grupo maravilhoso de agentes de vários cantos do país com lutas e presenças diversas nas lutas pela democracia das cidades. São eles: 

Ana Paula Freitas, 32 anos, nascida em Belo Horizonte, é advogada, co-idealizadora do projeto Solta Minha Mãe, ação de enfrentamento ao encarceramento em massa de mulheres e mães em Minas Gerais. Integra as Pretas em Movimento, em Belo Horizonte, iniciativa de ampliação do protagonismo de pessoas negras, em espaços de poder. E atualmente é  Coordenadora-Executiva do Projeto Aliança, incubado no Instituto Sou da Paz em São Paulo. Projeto nacional que consiste na coordenação de ações jurídico e judicial para garantia de liberdades e direitos individuais. 

Aquataluxe Rodrigues, 31 anos, nascida em Recife, criou a Comissão da Juventude do Olodum em Salvador, para promover ações inovadoras que fortaleçam a capacidade empreendedora dos jovens e os aproximem da política e assim os empoderem, numa perspectiva que relaciona economia, democracia e desigualdade.

Ednei Arapiun, 20 anos, percebeu que a população indígena, além de ser alvo das disputas fundiárias, enfrenta barreiras institucionais para o acesso aos serviços básicos. Ednei foi eleito coordenador do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns, inaugurando a liderança jovem nos espaços de representação dos povos indígenas na luta por direitos à terra, à estrutura de saúde e educação nos territórios indígenas e ao acesso à educação superior pública.

Gelson Henrique, 20 anos, é estudante universitário de Ciências Sociais, ativista, pesquisador da área de antropologia política e juventudes, e integrante da Caravana Itinerante da Juventude (CI-Joga). Percebendo a baixa participação social e política dos jovens de periferias e favelas, Gelson criou a Caravana Itinerante da Juventude (CIJoga), junto com mais quatro amigos de diferentes periferias do Rio de Janeiro. O CIJoga é um conjunto de ações destinadas às escolas públicas (nesse primeiro momento) localizadas em periferias urbanas, cujo objetivo é estimular os jovens a participarem de instâncias coletivas de decisão, fazendo as juventudes se entenderem como potência transformadora da política brasileira.

Bruninho, 25 anos, é estudante de Pedagogia. Percebendo que o jovem da periferia ocupava lugar muito distante dos debates políticos, Bruno criou com colegas o Núcleo de Jovens Políticos, no Jardim Vera Cruz, na região da M'Boi Mirim, com o objetivo de decodificar as narrativas do campo e mostrar que política também é lugar de jovem. Ele também é um dos criadores do Coletivo Encrespados, que discute e reflete como se pode pensar e promover uma educação antirracista em escolas públicas e espaços educacionais. 

Iago Hairon, 26 anos, baiano, cientista social e militante climático apaixonado por qualquer movimento que nos conecte com a natureza. Começou a trabalhar com mudanças climáticas com 13 anos no Movimento Bandeirante. Foi conselheiro jovem global da Plant-For-The-Planet entre 2013 e 2014, onde se destacou por sua capacidade de liderança e empreendedorismo social. Foi um dos participantes do Climate Leadership Corps, treinamento de líderes climáticos com Al-Gore. Atualmente é vice presidente da Plant For The Planet no Brasil e um dos coordenadores gerais do Engajamundo, rede de jovens que tem como missão conscientizar o jovem brasileiro de que mudando a si mesmo, seu entorno e se engajando politicamente ele pode transformar sua realidade.

Juliana Marques, 33 anos. Percebendo a sub-representação das mulheres negras na política institucional, uniu-se a outras mulheres e criou o Movimento Mulheres Negras Decidem. O objetivo maior é aproximar as jovens negras da política e apoiar as que desejam ocupar espaços institucionais. Como uma das estratégias criaram a plataforma http://mulheresnegrasdecidem.org/ com narrativas centradas em dados para contrapor os mitos envolvidos na questão. A luta é pelo avanço dos direitos sociais por meio do fortalecimento dos processos eleitorais.

Mari Belmont é jornalista, nascida em Colônia, periferia rural da cidade de São Paulo, se define como esticadora de pontes. Percebendo a necessidade da ocupação de ativistas e dos jovens das periferias na política institucional, Mariana co-construiu a formação do Ocupa Política, trabalha com projetos de cidades e mudanças climáticas e assina este texto que você lê, nesse espaço importante de ocupar. Faz parte da Rede Jornalistas das Periferias, constrói o Ocupa Política e colabora com a Uneafro Brasil.

Wesley Teixeira tem 23 anos, é morador da Mangueirinha em Caxias (Baixada Fluminense). Com 12 anos começou a militar no movimento secundarista; no momento atua no pré-vestibular popular +Nós, que tem 17 turmas na periferia do Rio com alunos periféricos, em sua maioria negras e negros. Através do movimento negro articula questões como dignidade e participação ativa da juventude nas cidades. Faz parte também do Voz da Baixada e PerifaConnection, é evangélico pentecostal, flamenguista e não abre mão do cabelo Black.

Isabela da Cruz, 29 anos, é estudante do curso de direito, licenciada em história, ativista e pesquisadora quilombola. Ao perceber a violência crescente contra as populações quilombolas no país, Bela se engajou em pautas relevantes para essa população, atuando junto à juventude quilombola e ao movimento de mulheres negras, através da FECOQUI – Federação Estadual de Comunidades Quilombolas do Paraná – PR (vinculada à CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas).

Somos dez jovens, de diferentes lugares do país, que se conectam para dar potência aos nossos trabalhos nos territórios. Nos encontramos pela primeira vez em Salvador, em agosto, com nossas referências mais velhas, com o ar e a história da Bahia. Colocando sempre como centralidade o debate do combate ao racismo, a importância da educação e a defesa dos territórios tradicionais, entre o urbano e o rural.

Comunicação popular e periférica, debate sobre mudanças climáticas com as periferias, defesa de territórios indígenas e quilombolas, justiça criminal, educação, juventude, ocupação dos espaços da política institucional, favelas, quilombos, periferias, cidades e o que nos atravessa diariamente, sobre sobrevivência e resistência em todas as partes de um país como o Brasil.

Sobre a Autora

Nascida em Colônia, extremo sul da cidade de São Paulo, Mariana Belmont se define como uma esticadora de pontes. Atuando com mobilização e comunicação para políticas públicas, faz parte da Rede Jornalistas das Periferias, constrói o Ocupa Política e colabora com a Uneafro Brasil.

Sobre o Blog

Cidades que são florestas, florestas que são cidades, mudanças climáticas e conexões para viver melhor. Semanalmente, Mariana Belmont pensa sobre o que tudo isso tem a ver com a gente, e explica melhor essa história de meio ambiente sermos todas e todos nós juntos no mundo.