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Mariana Belmont

Seria melhor mandar ladrilhar?

ECOA

03/10/2019 11h18

No meu segundo texto por aqui resolvi arriscar e começar escolhendo o título, que não é originalmente meu, ele é do livro "Seria melhor mandar ladrilhar? – Biodiversidade: como, para que e por quê", organizado pela ecologista Nurit Bensusan. Ganhei o livro da Nurit de um amigo em 2014, e ele segue sendo emprestado e comigo pelos caminhos da vida.

Explico. 

Nasci em meio a maior e mais significativa parte da Mata Atlântica da cidade de São Paulo, localizada na região de Parelheiros. Vale ressaltar que essa porção é de uma riqueza biológica muito importante e uma das mais significativas da Mata Atlântica, mesmo estando na maior metrópole das Américas. Eu nasci dentro dessa porção, mais especificamente dentro da Área de Proteção Ambiental Bororé-Colônia, criada em 2006, e tive a honra, mesmo muito jovem, de fazer parte da criação e dos processos participativos da unidade. E antes já existia a APA Capivari-Monos criada em 2001, a primeira área de proteção ambiental da cidade.  

Eu nasci no quintal com muitas árvores, criação correndo no chão de terra, cresci em meio à natureza, com referências de mulheres agricultoras e da horta do meu avô. Eu estava há exatos 52,6 km do Parque Ibirapuera, mas nossos passeios aos finais de semana sempre foram nas cachoeiras espalhadas pelo extremo sul, nas bordas onde a cidade começa. Cachoeira do Jamil, Poço das Virgens, piquenique no sítio dos Piolli e tantos lugares que parecem fora da rota normal para quem mora da ponte pra lá, mas para nós, ainda crianças, era a coisa mais divertida que tínhamos para fazer.

Quem conhece Parelheiros sabe: é quase sempre um frio de cortar, a garoa fina bonita, mas muitas vezes perturbadora, e, se você segue a estrada ao encontro do Rio Monos, vai sentir mais frio que em qualquer lugar da cidade de São Paulo. Uma turma de sorriso fácil e suado mora na maior Subprefeitura da cidade de São Paulo, com o menor orçamento e com falta de áreas de lazer, cultura e um hospital parado há mais de 3 anos, daquelas promessas que conhecemos bem.

Apesar de ser um paraíso dentro de uma metrópole, Parelheiros sofre com a pressão da urbanização constante, grilagem de terrenos e ocupações que afetam diretamente o aumento do desmatamento na região. A "disputa" entre a real necessidade da preservação ambiental e os pedidos por desenvolvimento do imaginário dos grandes centros urbanos, como shoppings, lojas e bonitas vitrines. Entendem a chegada das unidades e dos parques como um impeditivo para esse desenvolvimento na região. Quem nasce e vive lá entende que vive dentro de um território privilegiado pelas questões ambientais, mas com grande nível de desigualdade social.

Conto isso com um orgulho danado no peito, de quem aprendeu na escola pública sobre o bairro onde morava, sobre a importância da preservação e da história da região. Mas conto, sobretudo, para lembrar que a pauta ambiental e sua defesa ainda está distante e em sua grande parte centralizada com a elite brasileira. Grandes organizações são as que detêm a discussão, sem priorizar que a questão ambiental precisa falar sobre classe, racismo, territórios em disputa, comunidades e povos tradicionais e desigualdade de gênero. Não se pode discutir mais a crise do clima sem trazer essa discussão para ser debatida junto com os territórios periféricos, rurais e urbanos. Passou da hora de entender a importância e a urgência. 

Trago também porque talvez a pauta ambiental tenha se potencializado nos últimos tempos, com um governo querendo destruir a Amazônia e fuligem de fumaça de suas queimadas criminosas chegando à região sudeste. Muita gente que jamais se preocupou com a questão ambiental ou com o clima que oscila sempre entre muito frio e muito quente no outono começou a perceber que algo de errado não está certo. E não entende que as florestas, independentemente do seu bioma, estão conectadas e dispostas fazer o planeta girar. Triste. 

Seria melhor mandar ladrilhar? O poder econômico quer abrir caminhos para um desenvolvimento sem limites, sem respeito aos territórios. Mandar ladrilhar é orientação dos cafonas, dos homens brancos sentados em suas caixas de vidro dando ordem para mandar cimentar os quintais e ladrilhar as florestas ainda resistentes nas cidades. A necessidade para a vida nos territórios, inclusive os urbanos, passam pela natureza. Tudo se relaciona, está conectado. Precisamos salvar a natureza das cidades, e é urgente! 

Sobre a Autora

Nascida em Colônia, extremo sul da cidade de São Paulo, Mariana Belmont se define como uma esticadora de pontes. Atuando com mobilização e comunicação para políticas públicas, faz parte da Rede Jornalistas das Periferias, constrói o Ocupa Política e colabora com a Uneafro Brasil.

Sobre o Blog

Cidades que são florestas, florestas que são cidades, mudanças climáticas e conexões para viver melhor. Semanalmente, Mariana Belmont pensa sobre o que tudo isso tem a ver com a gente, e explica melhor essa história de meio ambiente sermos todas e todos nós juntos no mundo.